segunda-feira, 4 de março de 2013

Entrevista com Juliana Bastos Marques, autora de 'Tradição e renovações da identidade romana em Tito Lívio e Tácito'

1. Como chegou a este tema abordado em Tradição e renovações da identidade romana em Tito Lívio e Tácito?

O livro é o resultado da minha tese de doutorado, defendida em 2008. Comecei a me interessar pela historiografia já durante os tempos da graduação, quando percebi que só conseguiria compreender o passado através de uma reflexão mais aprofundada sobre por que e por quem ele foi registrado, escrito e, portanto, fixado de determinadas maneiras. Por isso, durante meu mestrado estudei a percepção do tempo em Tácito: haveria uma ideia de ciclo, de retomada de um passado idealmente virtuoso em algum momento na história de Roma, ou uma decadência inexorável desde os tempos primordiais da República? E qual seria o motor dessa "decadência"? No doutorado, resolvi pensar nessas questões através de um recorte mais amplo, comparando Tito Lívio e Tácito, unidos pelas mesmas regras da tradição literária, mas revelando muitas diferenças entre si. O resultado acabou se tornado uma reflexão mais ampla sobre suas percepções do mundo romano, e, em última instância, sobre minha própria percepção dele.

2. Conte-nos um pouco sobre a sua trajetória profissional, e de que forma ocorreu o processo de organização desta obra.

Sou de São Paulo, fiz da graduação até o pós-doutorado na USP, orientada pelo professor Norberto Luiz Guarinello. Herdei dele a coragem - ousadia? - de pensar para além das escolas tradicionais de interpretação, repensar paradigmas estabelecidos e procurar uma visão mais ampla do processo de produzir conhecimento em História, em especial sobre o mundo antigo e nossa relação com ele. Mas também me pautei por uma reflexão que o prof. Pedro Paulo Abreu Funari me colocou durante meu mestrado: para quem estou escrevendo, com quem meu texto dialoga? Não quis ficar apenas no mundo hermético dos especialistas, até porque são tão poucos aqui no Brasil. Pensando nisso, procurei também uma forma mais fluente no texto, cuidando para que meu diálogo fosse amplo e acessível.

3. Quais as dificuldades maiores para a pesquisa no país? E de que forma esta se desenvolve atualmente na área?

Vejo nossas dificuldades em estudar História Antiga com otimismo. Até o fim do século XX, o acesso à maior parte da bibliografia especializada só era possível viajando-se para as bibliotecas da Europa e da América do Norte. Encontra-se hoje quase de tudo na internet - de artigos e livros a fontes primárias dos mais variados tipos (textos, imagens, etc). Além disso, no Brasil não fazemos História Antiga como se fosse o início de nossa história nacional, como os ingleses, franceses ou alemães. Isso nos deixa livres para dialogar com uma vasta gama de abordagens diferentes. Ou seja, há um aspecto positivo em termos tão pouca tradição na área em comparação com o Velho Mundo. Somado a isso, mesmo com a nossa tenra atividade, temos já um grupo bastante expressivo de historiadores brasileiros produzindo conhecimento em História Antiga e dialogando em pé de igualdade com os europeus. Se a área existe há, diga-se, 500 anos lá e nem 50 aqui, concluo que estamos indo muito bem!

4. Qual interesse maior em publicar o livro? Quais as expectativas?

O alcance de um livro é evidentemente muito maior do que o de um trabalho acadêmico restrito. Acredito que o conhecimento produzido na academia precisa ser compartilhado, para que não se engesse e possa fazer parte da constante reflexão sobre a humanidade que a História proporciona. Em particular, este ainda é um dos poucos livros sobre historiografia antiga publicados em Português. Espero que surjam muitos mais, porque o Brasil tem um grupo de pensadores jovens muito atuantes nas áreas de Historiografia e Teoria da História, e creio que teremos nos próximos anos uma produção muito rica e estimulante. Espero que meu trabalho possa contribuir na construção disso.

5. Alguma coisa que queira acrescentar? Há novos projetos de pesquisa atualmente?

Tenho refletido muito sobre as mudanças de nosso tempo. Os parâmetros de hoje são muito diferentes dos de quinze, vinte anos atrás, devido à convergência social que a tecnologia proporcionou. Ainda não sabemos bem o que isso significa, e, em particular, creio que isso mudará nossa percepção de qual é o significado que um mundo tão antigo e distante tem para nós. Mas isso não significa descartar os antigos, muito pelo contrário: nunca antes precisamos refletir de maneira tão intensa e premente sobre as diferenças e semelhanças entre as sociedades - e em como conviver com isso. Tenho um projeto paralelo que vem me entusiasmando muito, em que trabalho a Wikipédia com os alunos. Eles aprendem a ler a enciclopédia de maneira crítica, discernindo a confiabilidade ou não das informações, e a editar os artigos, melhorando sua qualidade. Assim, treinando suas habilidades de escrita e pesquisa, eles também contribuem para compartilhar o que aprendem na universidade, em um ambiente livre, gratuito e colaborativo. É um grande desafio, pois é uma metodologia de ensino totalmente nova, mas os resultados têm sido empolgantes!